Galego e Português Brasileiro

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Estudos Galegos – Acervo da Biblioteca Central do Gragoatá
7 de novembro de 2016

Galego e Português Brasileiro

Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança.

Projeto Coordenado por Xoán Carlos Lagares Diez (Universidade Federal Fluminense / Letras/ Pós-Graduação/Estudos de Linguagem) e Xosé Henrique Monteagudo Romero (Instituto da Lingua Galega / Universidade de Santiago de Compostela).

 

Participantes:

Equipe brasileira:

 

Xoán Carlos Lagares Diez (UFF)

Doutor em Letras pela Universidade da Coruña. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem na Universidade Federal Fluminense. A sua pesquisa desenvolve-se no âmbito da linguística histórica, da história social das línguas ibéricas e das políticas linguísticas. Publicou E por esto fez este cantar (2000) e O xénero gramatical en galego (2006) e co-organizou a coletânea Políticas da norma e conflitos linguísticos (2011).

 

Maria Jussara Abraçado de Almeida (UFF)

Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Associada IV de Linguística na graduação e Pós-Graduação. É Diretora do Instituto de Letras da UFF Diretora da Editora LETRAS DA UFF e membro do conselho editorial da revista Gragoatá. Organizou, com Cláudia Roncaratti, os livros: Português Brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história (2003) e Português Brasileiro II: contato linguístico, heterogeneidade e história (2008).

 

Antonio Paulo Pinheiro Correa (UFF)

Professor Adjunto de Língua Espanhola da Universidade Federal Fluminense. Possui Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ (2007). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando principalmente nas seguintes áreas: aquisição de segundas línguas, espanhol, interlíngua, Sintaxe, Linguística Aplicada, tendo publicado trabalhos em revistas brasileiras e estrangeiras de reconhecimento internacional.

 

Valéria Gil Condé (USP)

Doutora em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo, onde atua como professora nas Áreas de Filologia Românica e Filologia e Língua Portuguesa. Realizou pesquisa de pós-doutorado no Instituto da Lingua Galega da Universidade de Santiago de Compostela. Tem desenvolvido pesquisas na área de Filologia Românica, com ênfase nas línguas minoritárias iberorromânicas e na Romania Nova.

 

Leonardo Lennertz Marcotulio (UFRJ)

Professor Adjunto de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui doutorado em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Sintaxe, Linguística Histórica e História da Língua Portuguesa, atuando nos seguintes temas: (i) a sintaxe dos possessivos na história de línguas ibero-românicas como o espanhol, o galego e o português; (ii) a relação entre pragmática e sintaxe na composicionalidade pronominal das formas de tratamento do português; e (iii) a unidade linguística medieval galego-portuguesa.

 

Nilza Barrozo Dias (UFF)

Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP, Área de Sociolinguística- Variação e Mudança Linguística (2001).  É, atualmente, Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense. Atua no ensino de Graduação e na Pós-Graduação em Estudos de Linguagem. Tem experiência na área de Linguística, atuando principalmente em: Variação e Mudança; Gramaticalização; Funcionalismo; Semântica Cognitiva e interface Gramática versus Interação. Possui inúmeros trabalhos publicados em sua área de interesse.

 

Maria Luiza Braga (UFRJ)

Doutorado em Linguística pela University of Pennsylvania (1982). Atualmente é professor titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: português do brasil, gramaticalização, categorias cognitivas e orações adverbiais.

 

 

Equipe espanhola:

Xosé Henrique Monteagudo Romero (ILG-USC)

Professor da Universidade de Santiago de Compostela e membro da Real Academia Galega. Especialista em história da língua e em sociolinguística galega, entre os seus títulos destacam Estudos de sociolinguística galega (1995), Historia social da lingua galega (1999), Norma lingüística e variación (2005) e As razóns do galego (2008).

 

Rosario Álvarez (ILG-USC)

Catedrática da área de Filologias Galega e Portuguesa da Universidade de Santiago de Compostela (Galiza-Espanha). Sua atividade principal centra-se na pesquisa sobre variação linguística, sobretudo diatópica, integrada na descrição gramatical do galego. Faz parte da equipe do Atlas Linguístico Galego desde as suas origens e é co-autora de duas gramáticas do galego moderno (Álvarez/Regueira/Monteagudo, Galaxia 1986; Álvarez/Xove, Galaxia 2002). Membro da Real Academia Galega desde 2003 e diretora do seu Seminário de Gramática. Diretora do Instituto da Lingua Galega (USC) desde 2005.

 

Elisa Fernández Rei (ILG-USC)

Doutora em Filologia Galega pela Universidade de Santiago de Compostela e professora dessa mesma universidade. A sua pesquisa desenvolve-se no âmbito da fonética, da fonologia, da prosódia e da entoação. Coordena o comité galego do projeto internacional AMPER (Atlas Multimedia Prosódico do Espaço Românico) e atualmente dirige o projeto de pesquisa financiado pelo MICINN “Estudio perceptivo de la variación prosódica dialectal del gallego” (2010-2012).

 

Ernesto Xosé González (ILG-USC)

Doutor em Filologia galega pela Universidade de Santiago de Compostela (USC) e Catedrático da área de Filologias Galega e Portuguesa. Especialista em lexicologia, coordenou e participou em vários projetos relativos à elaboração de dicionários e de coleta e organização de léxico dialetal, assim como na elaboração do Atlas Linguístico de Galicia.

 

Xulio Sousa Fernández (ILG-USC)

Doutor em Filologia galega pela Universidade de Santiago de Compostela (USC) e professor titular de Filologia galega. Desde 1989 é investigador do Instituto da Lingua Galega (USC), onde dirige e colabora em diversos projetos de pesquisa: Atlas Lingüístico Galego, Dialectometría das variedades xeolingüísticas do galego, Cartografía dos apelidos de Galicia, Tesouro do léxico patrimonial galego e portugués e Sintaxe dialectal do galego.

 

Francisco Dubert García (ILG-USC)

Doutor em Filologia Galega pela USC, trabalha em fonologia e morfologia flexionais, sincrônicas e diacrônicas, e em dialetologia, focando as consequências estruturais do contato linguístico entre variedades linguísticas do noroeste da Península Ibérica. Faz parte do projeto de edição do Atlas Linguístico Galego, e tem publicado vários trabalhos de dialetometria segundo o método da escola de Salzburgo.

 

Francisco Cidrás Escáneo (ILG-USC)

Diretor do Departamento de Filologia Galega da USC, especialista em sintaxe, com especial atenção à variação sociodialetal e à mudança linguística. Acadêmico correspondente da Real Academia Galega, é membro do Seminário de Gramática, dirigido por Rosario Álvarez, que está a redigir a Gramática Descritiva da Língua Galega. Faz parte do projeto “Mudança linguística no galego atual”.

 

(2) Resumo:

Considerando a origem comum galego-portuguesa das variedades linguísticas comparadas, exploraremos fenômenos linguísticos comuns na Galiza e no Brasil, ampliando assim o escopo comparativo até agora utilizado na explicação dos traços próprios do português brasileiro. Esse tipo de pesquisa também deverá contribuir para uma melhor compreensão de fenômenos até agora considerados característicos exclusivamente do galego ou do português brasileiro. Prevê-se um importante impacto no estudo da relação histórica existente entre o português e o galego, o que poderá contribuir para a formação de professores no Brasil e na Galiza, através de subsídios que fundamentem o ensino/aprendizagem de conteúdos relacionados à história da língua, à mudança linguística e, também em termos sincrônicos, à diversidade linguística, no que se refere aos conceitos de variação linguística, língua e dialeto.  A participação de pesquisadores de três universidades na equipe brasileira, da Universidade Federal Fluminense, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo, caracteriza o projeto como uma cooperação em rede nacional e internacional.

 

(3) Apresentação / Perspectiva Teórico-Metodológica Geral / Justificativa:

Este projeto pretende trazer para a história do português brasileiro elementos que permitam ampliar os limites da comparação com as variedades ibéricas que influíram em sua formação. Ao mesmo tempo, procura-se uma melhor compreensão de fenômenos divergentes entre o galego e o português, tomando como referência a ocasional presença dessas características no território brasileiro. Nesse sentido, será fundamental ter presente as condições sociais de elaboração histórica de normas linguísticas e a sua influência sobre a realidade da língua para o desenvolvimento da pesquisa.

 

A princípio, a comparação entre o galego e o português do Brasil poderia ser enfocada como um simples projeto comparativo entre duas línguas românicas, mas pensamos que também é possível abordá-la como um contraste entre duas ramas, dois subsistemas de um mesmo diassistema linguístico[1]. Isto é, partimos do postulado de que existe uma linha de filiação genética entre o galego e o PB, que não apenas remonta ao latim / protorromance ‘comum’, senão mais particularmente ao romance galego (ou galego-português) medieval, através do português clássico. Dado que a hipótese de tal filiação não é evidente, será preciso justificá-la.

 

Primeiramente, convém esclarecer o sentido que damos ao termo filiação genética. Empregamos esse termo como contraposto ao de continuidade histórica: o primeiro refere-se a fatos estritamente linguísticos. O segundo a fenômenos sociais, políticos e culturais. Colocar o assunto em termos de filiação genética, situa-nos no âmbito da evolução diacrônica do sistema linguístico, enquanto que formulá-lo em termos de continuidade histórica nos remete ao terreno da história da(s) comunidade(s) linguística(s). Feito esse esclarecimento, discutiremos rapidamente os três pontos essenciais para estabelecer a filiação genética entre o galego e o português brasileiro:

 

  • origem comum do galego e do português;

 

  • origem do português brasileiro no português europeu;

 

  • matizações que se podem estabelecer quanto à concepção tradicional da filiação genética entre as três variedades: pensamos particularmente na influência do contato linguístico galego / castelhano e hipóteses da ruptura da continuidade na história do português europeu > português brasileiro, como consequência do contato do português do Brasil com línguas africanas.

 

O território em que se forma o romance galego-português corresponde à província romana da Gallaecia, que abrangia unidades administrativas romanas anteriores, denominadas conventus bracarensis, lucensis, asturicensis e cluniensis, constituída no fim do século III, durante o mandato do imperador Diocleciano, sobre uma base étnica indígena que apresentava já uma relativa unidade cultural (Baldinger 1963). A sua situação periférica, no extremo mais ocidental do mundo conhecido, no Finis Terrae, permitiu que se mantivesse linguisticamente distante das inovações que emanavam de Roma. Posteriormente, o domínio suevo e as consequências que as invasões árabes a partir do século VIII tiveram sobre a reestruturação dos reinos peninsulares fizeram com que se acentuasse a autonomia cultural e linguística do território que compreendia a Galiza e o norte de Portugal (Teyssier 1989, Monteagudo 1999, Condé 2005).

 

No entanto, a linguística românica, embora reconheça essa relativa unidade cultural do Noroeste da Península Ibérica, vem preferindo considerar como critérios de classificação as fronteiras políticas constituídas historicamente. Lausberg, por exemplo, numa epígrafe em que o português aparece listado como uma das línguas românicas atuais, definida pelo autor como “a língua literária de Portugal, das suas possessões e do Brasil”, explica o processo de propagação do português, levado ao sul durante a Idade Média nas guerras de conquista e ocupação de territórios que estavam sob domínio muçulmano. Mas na classificação de Lausberg, essa variedade linguística medieval recebe o nome de “português arcaico”, embora seja, segundo as suas próprias palavras, o “dialeto fronteiriço galego” o que se estenda pelo sul. Essa duplicidade terminológica, que se resolve em favor do nome da língua nacional, deriva da impossibilidade de se encaixar nos estreitos limites da fronteira política atual portuguesa o processo de formação da língua. Sendo assim, o “dialeto galego” transformar-se-ia em “língua portuguesa” a partir de um fato político: a constituição do reino de Portugal em 1139. Sobre o “dialeto da Galiza”, Lausberg diz apenas que “pertence hoje ao domínio da língua escrita espanhola”.

 

Sendo verdade que a construção linguística realizada pelos processos de gramatização (Auroux 1992) primeiro e pelos Estados-nação depois, com a imposição de uma norma de língua, tem importantes consequências na realidade linguística, não pode ser esquecido que essa influência não é total nem constante em todo um território delimitado por fronteiras políticas. Nesse sentido, a variação das falas denominadas populares no Brasil pode ser vista como sobrevivência de fenômenos ainda não afetados, ou só lateralmente influenciados, pela presença da norma culta; assim como, na Galiza, a própria tenaz existência do galego, apesar de séculos de sobreposição do castelhano como língua de cultura e, mais recentemente, como língua oficial, evidencia a necessidade de prestar atenção a esses fenômenos, considerando que o que entendemos por “língua” não pode ser identificado sem mais com a norma culta estabelecida pelas gramáticas prescritivas.

 

Parece que se deve a linguistas alemães a denominação composta “galego-português” para a língua formada a partir do latim vulgar falado no Noroeste da Península Ibérica. Para alguns autores, essa denominação designaria apenas a variedade de língua usada pelos trovadores da lírica medieval, servindo para nomear o idioma em que foram compostos os cancioneiros.

 

Para o conhecimento dessa língua medieval comum a um território hoje dividido entre dois estados políticos é extremamente esclarecedor o trabalho de Clarinda de Azevedo Maia, que em 1989 publicou a edição e descrição linguística de documentos notariais da Galiza e do Noroeste de Portugal, redigidos entre o séc. XIII e o séc. XVI.

 

É claro que a situação do galego-português ao norte e ao sul do rio Minho, que passa a ser fronteira “natural” com a formação do reino de Portugal, é muito diferente no começo da Idade Moderna. Enquanto o português se viu submetido já desde o século XVI a um processo gradual de gramatização, de construção de uma norma escrita, com a redação das primeiras gramáticas e dos primeiros dicionários, o idioma falado no território da Galiza ficou à margem destas transformações. Neste sentido, já em 1606 Duarte Nunes de Leão na sua Origem da Língua Portuguesa defendia a elegância do português frente ao galego, baseando-se no fato de em Portugal “haver reis e corte, que é a oficina onde os vocábulos se forjam e pulem e donde manam para os outros homens”  (Leão 1983: 220). Inicia-se ademais na Galiza um conflito linguístico causado pela imposição do idioma do Estado, o castelhano, que nesse momento começa a se constituir em “espanhol” (Mariño 1998 / Monteagudo 1999).

 

No século XVI, acompanhando o processo de transformação dos reinos medievais em monarquias absolutas, inicia-se a padronização e promoção das variedades prestigiadas das línguas europeias. Nesse sentido, a afirmação de Duarte Nunes de Leão exprime não apenas um desejo, o de que a língua do reino tenha nascido “necessariamente” na corte, no berço da soberania real, mas também, em parte, uma realidade, o fato de as variedades prestigiadas se oferecerem socialmente como modelos de língua que “manam para os outros homens”. A descrição gramatical e a escrita constroem uma imagem coesa e uniforme do português, onde se tenta apagar a variação. Um processo que em Portugal não deixa de ser também conflituoso, devido à presença do castelhano como língua de prestígio na corte de Lisboa e à constante ameaça de adesão do reino vizinho. Essa ameaça, que se materializa em 1580, com a morte sem descendência de D. Sebastião e a subsequente unificação ibérica, está presente na consciência dos primeiros gramáticos portugueses, que elaboram o modelo de língua para ser utilizada na administração do reino tendo como referente negativo variantes morfológicas e lexicais (galego-)portuguesas comuns com o castelhano (Corredoira 1998).

 

Estabelecida a linha de filiação entre o galego e português, reparemos na filiação entre este e o português brasileiro. Nesse ponto, interessa-nos introduzir uma importante matização nos planos cronoletal e sociodialetal: o português do Brasil arranca do período ‘clássico’, em que o português e o galego já estão claramente diferenciados (tanto na realidade linguística como na consciência metalinguística), mas ainda muito próximos[2]. Por outro lado, o português que chega ao Brasil não é, obviamente, o português literário nem o da corte. É um tipo de língua que corresponde a uns cortes sociodialetais determinados: ressalta a importância do elemento popular e dos dialetos rurais, relativamente pouco influenciados pelo idioma urbano e cortesão. Contudo, no português brasileiro comum não se verificam heranças relevantes dos fenômenos dialetais mais característicos do português setentrional (tais como o betacismo ou a manutenção da africada dentopalatal /ʧ/ e dos ditongos [ej] e [ow]), que se registram dialetalmente no português americano (Neto 1950, 48-56 e 1979, 581-92).

 

No entanto, pelo menos desde o século XIX no domínio europeu a variação sociodialetal experimentou uma intensa nivelação por causa do impulso da variedade padrão; portanto, no Portugal de hoje desapareceu ou foi marginada uma certa quantidade de fenômenos dialetais que puderam sobreviver no Brasil, pois aqui a língua experimentou uma nivelação relativamente menor, dado que a pressão da variedade padrão resultou menos efetiva e de menor alcance. O mesmo, e com mais razão, se pode dizer a respeito do domínio linguístico galego: na Galiza constata-se uma certa pressão do castelhano, mas muito mais fraca (e muito mais recente) do galego comum ou padronizado.

 

Dessa maneira, a variação dialetal está muito mais viva na Galiza do que em outros domínios linguísticos em que a vigência de modalidades linguísticas modelares é antiga e pôde se apoiar em instrumentos eficazes de difusão social.

 

Em qualquer caso, a nossa hipótese sobre a filiação genética entre o português brasileiro e o português clássico obriga a discutir uma hipótese contrária, que postula que entre um e outro se produziu um processo de crioulização (discussões recentes sobre isto em Naro / Scherre 2007, Rougé 2009 e sobretudo em Lucchesi / Baxter e Ribeiro (orgs.) 2009, 27-76 e 101-53). Obviamente, a hipótese de que entre o português brasileiro popular de hoje e o português clássico medeia um crioulo implicaria uma funda ruptura na linha de filiação genética, e nessas condições haveria que encarar a comparação entre o galego e o português brasileiro de uma perspectiva diferente da que aqui propomos. A hipótese da crioulização foi recentemente refinada, e a partir daí formulou-se a hipótese da transmissão linguística irregular, na qual, novamente, o contato de línguas se postula como um fator de grande relevância na evolução da língua falada no Brasil (Lucchesi / Baxter Ribeiro 2009, 101-54).

 

Porém, entendemos que uma interpretação matizada desta última hipótese não é incompatível com a tese da filiação genética entre o português brasileiro atual e o português clássico. Esta interpretação pode se apoiar nas noções de diassistema, polissistema e língua histórica. Retomando a distinção de Coseriu, uma língua histórica não é um sistema linguístico, mas um conjunto de (sub)sistemas linguísticos, agrupados não segundo critérios científico-sistemáticos (tais como o parentesco genético e a semelhança de estruturas gramaticais), mas conforme critérios socioculturais, tais como a intercompreensão mútua, o recobrimento sob o teto de uma variedade cultivada, e a integração simbólica, relacionada com a sua associação simbiótica com identidades coletivas de tipo étnico ou político.

 

Nesse sentido, uma língua histórica pressupõe a existência e persistência de um espaço de comunicação, isto é, de um âmbito definido pela densidade e fluidez de contatos e interrelações, relativamente mais intensos no seu interior e mais escassos em relação com o exterior. A existência desse espaço de comunicação não é condição suficiente para a existência de uma língua histórica, mas é sim uma condição necessária e um fato da maior relevância em sua construção e manutenção. De fato, a história permite comprovar que o relativo isolamento dos (sub)conjuntos de variedades de uma língua é que cria as condições propícias para a fragmentação desta e a aparição de novas línguas: não há línguas sem comunidade discursiva e não há comunidade discursiva se não há comunicação. É precisamente neste sentido que se revela pertinente a distinção que antes estabelecemos entre continuidade histórica (que se situa no plano da história do polissistema, isto é, da permanência na comunicação e na integração simbólica das comunidades) e filiação genética (que se situa no plano da diacronia, sistemático-linguístico, e não pressupõe permanência da comunicação nem da integração simbólica das comunidades).

 

Diferentemente da noção tradicional de língua como sistema discreto, homogêneo e rigidamente organizado, parece mais adequada a concepção da língua como polissistema, isto é, sistema multidimensional e dinâmico, como conjunto de (sub)sistemas complexamente articulados, caracterizado formalmente pela heterogeneidade interna e a abertura a outros (sub)sistemas com que pode entrar em  contato e interrelacionar, e pela tendência para a organização hierárquica, em termos de centro – periferia. A organização interna do polissistema tem recebido a denominação de ‘arquitetura’ (Coseriu), dando a entender com isto que não depende de fatores ‘internos’ ao próprio sistema, mas de fatores sociais: a posição no centro ou na periferia do sistema não é um fenômeno ‘linguístico’ nem depende de características ‘linguísticas’, mas é um fenômeno sociocultural e depende de fatores sociais. Portanto, essa posição tampouco constitui um status permanente: pode ser mais ou menos estável ou duradoura, mas afinal sempre está sujeita a mudança. E, novamente, o dinamismo do sistema (a mudança linguística) não depende fundamentalmente de fatores ‘internos’, mas de fatores socioculturais, que são os que determinam, por exemplo, se uma variante dada obtém prestígio e é promovida ao centro do sistema ou de um dado (sub)sistema, ou perde prestígio e é deslocada para a sua periferia.

 

Esta concepção das línguas como polissistemas (ou diassistemas, na terminologia de Coseriu) permite conciliar as hipóteses da transmissão linguística irregular, tão brilhantemente elaborada e defendida por Lucchesi, com a da filiação genética do galego e o do português brasileiro, que à primeira vista podem parecer incompatíveis, pois a transmissão linguística irregular não afetou a totalidade do subsistema linguístico ‘português do Brasil’, mas a uma parte dele. De fato, o mesmo Dante Lucchesi mantém que o ‘português (afro)brasileiro’, subsistema linguístico que resultaria desse processo de transmissão linguística irregular, foi e está sendo progressivamente assimilado por outras variedades do português brasileiro. E ainda mais, ele afirma que o subsistema ‘português brasileiro urbano médio’ está assimilando em boa parte o subsistema ‘português afrobrasileiro’, ou, dito de outra maneira, uma parte importante dos traços do português afrobrasileiro, que conseguiram difusão ampla nas variedades populares do português do Brasil, apresenta uma tendência recessiva.

 

Em outras palavras, pensamos que, mediante a concepção de língua como um diassistema, salva-se a hipótese da continuidade histórica do português brasileiro em relação ao português europeu, e, consequentemente, ao galego.

 

Tanto a hipótese da crioulização como a da ‘transmissão linguística irregular’ colocam em foco um outro assunto de grande relevância, ou mesmo decisivo, na dinâmica e orientação evolutiva de uma língua. Isto parece óbvio no caso do galego, pois o contato entre o galego e o castelhano é muito antigo e foi sendo cada vez mais intenso. O mesmo se pode dizer, e ainda com maior razão, no caso dos crioulos bem conhecidos e estudados. Porém, este fator fora esquecido ou marginado à hora de estudar a história do português do Brasil, e muito mais ainda no caso do português europeu. A essa negligência está relacionada, obviamente, não apenas a vigência do paradigma científico que pretende explicar a dinâmica evolutiva das línguas apelando exclusivamente a fatores ‘internos’ (puramente gramaticais), que por sua vez se levantou contra paradigmas anteriores que apresentavam a evolução linguística como se ela fosse consequência apenas de sucessivas misturas. Aquela negligência se deve também à vigência de arcaicos preconceitos, profundamente arraigados mesmo na mente da maioria dos linguistas, segundo os quais a ‘pureza’ das línguas é uma característica positiva e a ‘hibridez’ é um traço denegrante: daí a tendência a se associar a primeira a línguas e variedades prestigiosas, reservando a segunda para línguas e variedades desprestigiadas.

 

Mas, se as hipóteses de crioulização e transmissão linguística irregular colocaram o assunto do contato de línguas no centro do interesse da linguística histórica no Brasil, também começam a aparecer estudos que expõem a intensidade do contato entre o castelhano e o português nos séculos XVI e XVII, um contato que não ficaria sem consequências na evolução histórica do segundo. Quanto à Galiza, é certo que o contato com o castelhano foi observado e levado em consideração desde o começo, por razões óbvias, mas entendemos que ainda está pendente uma pesquisa em profundidade (ou melhor, uma série de pesquisas, tanto na sincronia como na diacronia) fundada em modelos teóricos de contato e interinfluência de línguas suficientemente sólidos e convenientemente sofisticados.

 

A perspectiva intersistêmica pode ser de especial interesse para os estudos galegos, na medida em que ajudaria a confirmar ou recusar hipóteses explicativas de certos fenômenos fundadas na continuidade e profundidade do contato linguístico entre o galego e o castelhano; mas também para os estudos brasileiros, pela razão exatamente recíproca.

 

Acabamos enumerando o que seriam alguns princípios, teóricos e metodológicos, que consideramos adequados para uma pesquisa comparada de traços linguísticos galegos e brasileiros.

 

  • Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a comparação entre o galego e o português brasileiro não se fundamenta numa continuidade histórica linear, justificada pelo deslocamento de massas populacionais que levariam sua língua para novos territórios. Embora ocasionalmente não possa ser descartado esse tipo de explicação para fenômenos pontuais, que digam respeito à identificação de características “nortenhas portuguesas” (“galegas”, em sentido amplo) em variedades linguísticas faladas no Brasil, não é apenas esse tipo de continuidade que justificaria uma pesquisa comparada como a que estamos propondo.

 

Talvez também fosse possível identificar influência pontual de falares galegos em algumas variedades brasileiras por causa da presença maciça de emigrantes da Galiza em alguns enclaves, sendo que a emigração foi muito intensa em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador da Bahia desde o século XIX e, sobretudo, a partir dos anos 50 do século XX. Mas essa seria também uma outra pesquisa.

 

A comparação justifica-se com base na gênese comum das variedades galego-portuguesas, assim como na existência de processos de mudança linguística de ciclo longo, ou fenômenos de variação que atravessam séculos e que abrangem amplos territórios, muitas vezes de forma descontínua e à margem das tendências comuns das comunidades linguísticas maiores. Na realidade, entendemos que a ampliação do escopo da análise linguística para além do que foi convencionado chamar de “língua portuguesa” ou de “língua galega” poderá ajudar a iluminar aspectos da descrição ou da história das variedades estudadas.

 

  • A visão extensa de “diassistema” que acabamos de enunciar faz com que os elementos da comparação não sejam línguas, consideradas como entidades mais ou menos homogêneas e bem delimitadas, mas traços ou características pontuais das falas galegas e brasileiras. Embora possa parecer paradoxal à primeira vista, essa atomização da pesquisa surge precisamente da tentativa de estabelecer uma abordagem abrangente dos fenômenos, procurando determinar em cada caso as variáveis sociais e estruturais que poderiam ter incidido sobre uma determinada mudança linguística. Na realidade, com tal perspectiva visamos ampliar o escopo da pesquisa ao espaço histórico galego-português, coletando o maior número de dados relevantes disponíveis.

 

  • Embora levemente apoiada numa certa noção de “deriva”, a pesquisa comparativa entre falas galegas e brasileiras não se fundamenta na suposta existência de “forças internas”, inscritas em algum lugar indeterminado da própria estrutura linguística e que determinariam os seus caminhos “evolutivos”. Com efeito, a estrutura linguística condiciona as possíveis mudanças, mas elas acontecem em condições históricas concretas, de acordo também com variáveis sociais que devem fazer parte de qualquer análise. Nesse sentido, preferimos considerar a existência secular de processos de variação e, portanto, de variantes que, afastadas dos centros normativos, se manifestem com intensidade variável em diversas áreas do mesmo sistema linguístico histórico. Mesmo não sendo possível fazê-lo em todas as ocasiões, devido à complexidade das formações sociais e às limitações inerentes às pesquisas históricas, seria muito desejável tentar isolar em cada caso as condições sócio-históricas que fariam com que uma determinada variante mantenha seu viço numa variedade e não em outra.

 

Precisamente por não aderir a essa noção sutilmente “mística” da “deriva linguística”, esta não seria uma pesquisa sobre as origens do português brasileiro.

 

  • Dado que a pesquisa proposta se centra em mudanças linguísticas de longo prazo, resultado de processos seculares de variação em âmbitos territoriais muito abrangentes, mesmo quando se apoie em dados de corpora atuais, terá um caráter que podemos definir como “pancrônico”. Isto é, tendente a superar a dicotomia saussuriana entre “sincronia” e “diacronia”, ao situar a língua na história e considerá-la um sistema heterogêneo e dinâmico.

 

  • Para cada aspecto estudado será preciso definir o corpus mais adequado, tentando seguir critérios que garantam alguma equivalência, no referente à época, nível e registro de língua, assim como ao gênero discursivo, entre os dados galegos e os brasileiros. O uso de corpora adequados a cada aspecto estudado indica que esse tipo de pesquisa comparada não foca apenas “uma variedade” de galego ou de português brasileiro, e que, dependendo do aspecto analisado, poderá se basear em enunciados orais ou escritos, de variedades “cultas” ou “populares”, ou dos mais variados gêneros discursivos.

 

Metodologia, Plano de trabalho e projetos a serem desenvolvidos:

O grupo de pesquisa Galego e Português (PE e PB), cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, existe desde 2010, quando foram realizados os seminários internacionais, com apoio da CAPES, que tiveram como resultado o livro Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança (EDUFF, 2012), assim como o presente projeto conjunto. Dentro do quadro e dos objetivos gerais do presente projeto em seu conjunto, para o biênio 2015-2016, a atividade do grupo se concentra nos seguintes focos de interesse:

 

  • Aprofundar o estudo da gênese comum das variedades galego-portuguesas, considerando a existência de mudança linguística de longo prazo e de variantes que, afastadas dos centros normativos, se manifestem com intensidade desigual em diversas áreas do mesmo sistema linguístico histórico. Estudar, por meio de casos atuais de contato linguístico galego-brasileiro, a influência das representações sobre a língua e da influência dos padrões nos processos de acomodação linguística.

 

  • Definir o corpus mais adequado, tentando seguir critérios que garantam alguma equivalência em relação à época, nível e registro de língua, assim como ao gênero discursivo, entre os dados galegos e brasileiros. O uso de corpora adequados para cada aspecto estudado indica que este tipo de pesquisa comparada não foca apenas “uma variedade” de galego ou de português brasileiro, e que, dependendo do aspecto analisado, poderá se basear em enunciados orais ou escritos, de variedades “cultas” ou “populares”, ou dos mais variados gêneros discursivos.

 

  • Variação linguística no âmbito da palavra, em sincronia ou em perspectiva histórica, entre padrões ou entre variedades não padronizadas: a) variação morfológica básica (paradigmas, morfologia flexional, morfofonologia); b) variação formal no campo da morfologia lexical (sufixos e terminações); c) variação na gramaticalização e uso de determinadas formas a princípio lexicais; d) variação lexical, formal ou semântica (áreas, difusão, hibridação…).

 

  • Mudanças linguísticas e processos de gramaticalização no sistema pronominal, em construções clivadas e construções subjetivas, de um ponto de vista comparado e pancrônico.

 

Especificamente, a equipe brasileira desenvolverá projetos em relação aos seguintes itens referidos à análise morfossintática:

 

A re(organização) do sistema de pronomes pessoais: do galego-português ao galego, português europeu e português brasileiro contemporâneos. Este projeto de pesquisa dialoga também com um outro projeto de colaboração internacional, do qual participa a professora Jussara Abraçado: Cognição e gramática: cooperação acadêmica Brasil-Portugal, com a Universidade Católica Portuguesa e a Universidade Aberta de Lisboa. A pesquisa apresentada por este projeto tem como objeto de investigação a (re)organização do sistema de pronomes pessoais:  do galego-português ao galego, português europeu  e português brasileiro contemporâneos. Seu desenvolvimento, em termos teóricos e metodológicos, embasado na Sociolinguística Cognitiva, prevê um estudo histórico-comparativo do sistema de pronomes pessoais das três variedades em tela, buscando responder às seguintes indagações: há conexões entre os fenômenos que se verificam no sistema pronominal do português brasileiro, do galego e do português europeu, sobretudo, no que se refere ao emprego de pronomes retos em funções oblíquas?  Se sim, quais e de que natureza são? Tendo sido o emprego de pronomes retos em funções oblíquas detectado quando ainda não existia o português, e sim, o galego-português, há possibilidade de esse emprego ter perdurado, perifericamente, e ter sido resgatado em virtude de instabilidades verificadas no sistema pronominal do português brasileiro? Quais são os aspectos pragmáticos e/ou sociais mais diretamente relacionados aos processos de mudança em questão?

 

A sintaxe dos de-possessivos na história do galego e do português. Na história de línguas ibero-românicas, ao lado dos possessivos simples oriundos do latim vulgar, novas construções perifrásticas passam a fazer parte do quadro de possessivos: sintagmas preposicionais genitivos, também chamados de de-possessivos. No período medieval, as gramáticas de tais línguas permitiam de-possessivos com todas as pessoas gramaticais. De todas essas possibilidades, as gramáticas modernas do galego e do português somente são capazes de licenciar de-possessivos de 3P. A essas construções, após a inserção das novas formas gramaticalizadas no quadro pronominal, somam-se novas possibilidades de de-possessivos, com restrições específicas em cada língua em função dos traços de pessoa e número do possuidor. Torna-se, relevante, assim, investigar a série dos de-possessivos no galego e no português, buscando uma explicação teórica para as mudanças linguísticas que subjazem os rearranjos no quadro dos de-possessivos. Nesse sentido, o objetivo deste projeto, que se insere na perspectiva da sintaxe comparada, é investigar, a partir da conjugação de pressupostos teóricos da sociolinguística e da gramática gerativa e de evidências linguísticas extraídas de textos escritos em galego e português entre os séculos XIII e XXI, como funciona, em termos diacrônicos, a gramática dos de-possessivos e, mais particularmente, como ocorre o processo de reestruturação do quadro de possessivos que permite a emergência das novas construções genitivas.

 

Construções Clivadas no Português e no Galego sob uma perspectiva diacrônica. O objeto de análise deste projeto é um subtipo de construções de foco do português do Brasil, vale dizer: Clivadas Canônicas, Pseudo-Clivadas, Construções Ser Que, Construções Que, Construções Foco Ser, Construções com Marcação Reduplicada. Com vistas a elucidar a variação e gradiência sincrônicas das construções recém arroladas, este projeto implica os seguintes objetivos específicos. Os dados empíricos serão analisados de acordo com as seguintes variáveis: 1. domínio sintático do foco de cada construção clivada; 2. correlação modo-temporal entre o verbo ser e o verbo da oração encaixada (excluídas as  Construções Que); 3. concordância de número entre o verbo ser e o constituinte focalizado (excluídas as Construções Que); 4. topicalidade  do referente clivado; 5. relevância discursiva do referente focalizado; 5. estado de ativação  do referente clivado; 6. sincronia em que o dado foi identificado.O projeto adotará um enfoque pancrônico, vale dizer, um diálogo entre a investigação sincrônica e a investigação dos estágios diacrônicaos que remetem aos primórdios do galego-português.

 

O valor semântico-discursivo “avaliativo” nas sentenças completivas impessoais e apositivas: uma análise pancrônica. pretendemos investigar as sentenças completivas impessoais e apositivas, que apresentem orações matrizes ou segmentos A que expressem avaliação por parte do falante em relação à informação que se realiza como encaixada completiva com função de sujeito (doravante completiva (impessoal) ou que se realize como paratática em relação ao segmento B na sentença complexa apositiva (doravante apositiva). As orações matrizes, além de exercerem a função sintática de elemento predicador que seleciona um predicado-argumento sujeito, podem funcionar, do ponto de vista semântico-pragmático, como detentoras da subjetividade do falante na forma de avaliação, compartilhando algumas vezes as modalidades deôntica e  epistêmica, ou podem, do ponto de vista textual-discursivo, acumular a função de marcadores discursivos de assentimento, comentário e resumo. O segmento A da sentença complexa  apositiva  pode apresentar relevante papel semântico-pragmático de avaliação na tessitura textual e constituir expressão de ponto de vista do falante, sustentada nos movimentos argumentativos expressos no segmento B, apositivo.

 

Em relação à pesquisa no plano da palavra, desenvolvida fundamentalmente no Brasil pela professora Valéria Gil Condé, da Universidade de São Paulo, que integra também o Grupo de Morfologia Histórica do Português, pretende-se incluir dados galegos no estudo dos sufixos derivacionais, com o objetivo de descrever de forma comparada mecanismos de formação de palavras do ponto de vista diacrônico, sua produtividade e sua correlação com o significado. Pretende-se também datar com mais precisão fenômenos e acepções de palavras derivadas, com base em corpora bem sistematizados, assim como discutir o papel do estrangeirismo na criação de modelos de palavras derivadas por sufixação dentro do português e do galego, e entender as diferenças de produtividade sufixal em países lusófonos.

 

Em relação ao primeiro dos objetivos gerais, o estudo da gênese histórica comum e a influência das representações sobre a língua e dos padrões nos processos de acomodação linguística, pretende-se estudar a importância atual da pesquisa histórica na educação linguística e a determinação dos imaginários em situação de contato comunicativo entre línguas ou variedades próximas. Nesse sentido, o programa de pós-graduação em estudos de linguagem da UFF desenvolve estudos sobre história, política e contato linguístico em sua linha 3, a que pertence o coordenador brasileiro do projeto. Dois focos de pesquisa serão desenvolvidos sob esse aspecto: a) a importância do relato histórico sobre a língua e sobre a sua gênese nas dinâmicas normativas das línguas, isto é, nos processos de padronização; e b) o peso das representações sobre a língua, e especificamente sobre a relação histórica entre variedades, na interação comunicativa e na acomodação linguística, tomando como sujeitos de estudo os coletivos de imigrantes galegos no Rio de Janeiro e estudantes brasileiros de Letras.

 

Plano de trabalho:

O plano contempla o trabalho interno das equipes, a relação entre elas e a coordenação de todo o grupo:

 

  • Seminários internos periódicos das equipes, na Galiza e no Brasil. Pretende-se que a discussão e a apresentação de resultados parciais permitam enxergar os avanços da pesquisa e sistematizar os dados de variação. Possibilidades de conexão por videoconferência quando o tema e a ocasião o permitirem. A regularidade será, no mínimo, trimestral, a partir de janeiro de 2015.

 

  • Minicursos ou seminários avançados ministrados para as respectivas comunidades acadêmicas de acolhida. Esses minicursos pretendem difundir a pesquisa e, ao mesmo tempo, controlar o seu desenvolvimento. Esses cursos, na modalidade prevista por cada universidade, estão orientados especialmente a estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado) e a pesquisadores em formação, embora sejam abertos a toda a comunidade universitária. Preveem-se quatro encontros desta modalidade, coincidindo com a visita dos pesquisadores: um em São Paulo (maio de 2015), outro no Rio de Janeiro/Niterói (agosto de 2016), e um em Santiago de Compostela (setembro de 2016).

 

  • Reuniões de trabalho dos grupos. Pretende-se a posta em comum dos resultados com a participação da maior parte possível dos membros. Nesse contexto, apresentar-se-ão também para a sua discussão trabalhos de história e descrição do galego e do português brasileiro de alunos de Iniciação Científica e de Mestrado e Doutorado. A primeira reunião acontecerá em Santiago de Compostela (julho de 2015), com anterioridade à apresentação dos resultados em Gallaecia – III Congresso Internacional de Linguística Histórica (modalidade “sessão coordenada”). Esse congresso, continuação das duas primeiras edições realizadas em Salvador da Bahia e em São Paulo, é organizado pela equipe da Universidade de Santiago. A segunda reunião acontecerá no Rio de Janeiro/Niterói (agosto de 2016), com anterioridade à redação do volume coletivo que deve recompilar os resultados do biênio.

 

  • Cada equipe procurará a melhor forma de integração de mestrandos, doutorandos e pesquisadores em formação dentro do grupo (coordenação de projetos, utilização de fontes bibliográficas e corpora, cotutela e avaliação de trabalhos acadêmicos, apresentação em seminários e outras reuniões científicas, etc).

 

As atividades de pesquisa nas universidades brasileiras, com a colaboração permanente do Instituto da Língua Galega (Universidade de Santiago de Compostela), desenvolver-se-ão com o apoio do Núcleo de Estudos Galegos (UFF) e da Cátedra de Estudos Galegos (USP), centros conveniados entre as respectivas universidades e o governo autônomo da Galiza (Secretaria Xeral de Política Lingüística da Xunta de Galicia).

 

Prevê-se a publicação de dois livros, após os quatro anos de desenvolvimento do projeto, com os resultados das pesquisas realizadas. O primeiro deles pela Universidade de Santiago de Compostela, e o segundo pela Universidade Federal Fluminense.

 

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[1] Segundo Monteagudo 1997, seguindo U. Weinrich e a diferença de E. Coseriu, diassistema para nós remete para o âmbito sistemático-linguístico, isto é, que a rigor não prejulga a existência de uma comunidade linguística que lhe corresponda. Quando nos referimos ao plano dos fenômenos socio-históricos, à língua como instituição, como um sistema de sistemas (semelhantes, mas estruturalmente heterogêneos) integrado simbolicamente através da comunicação entre grupos sociais, preferimos utilizar o termo polissistema.

[2] Quando dizemos ‘diferenciados’ não queremos dizer que necessariamente devam ser considerados duas ‘línguas’ distintas: advirtamos já que o conceito de ‘língua’ pode resultar mais confuso do que esclarecedor para o presente estudo.